quarta-feira, 11 de maio de 2011

Direito e Economia: diálogos e duelos

Discorrer acerca do caráter epistemológico de algum objeto sem levar em consideração o processo interdisciplinar tornou-se algo anacrônico nos meios acadêmicos. Atualmente, tem-se fomentado sobremaneira à adoção de metodologias que visem a uma análise dos fenômenos sob uma ótica ampla, ou seja, levando em consideração as tênues relações entre os diversos ramos do conhecimento, na tentativa de quebrar a concepção segregada de análise científica, a qual fora iniciada pelo sistema cartesiano, e que de nada contribui para o alcance da gênese de um problema, mormente se ele pertencer ao ramo das ciências humanas. Com efeito, no tocante à seara jurídica, a necessidade de tal processo torna-se mais evidente, visto que tal ciência vale-se de fenômenos puramente sociais, o que acentua ainda mais a complexidade de seu estudo, necessitando – por vezes – de um conhecimento enciclopédico por parte do operador do Direito, no intuito de dirimir conflitos ou mesmo no processo decisório. Sendo assim, entre esses vários conhecimentos propedêuticos, poder-se-ia incluir também o da ciência econômica, cuja relação com o Direito tem se dado, ora de forma harmônica, ora de forma tempestiva, o que gerou até mesmo uma vertente de caráter gnosiológico, chamada Análise Econômica do Direito (AED), como bem acentua brilhantemente o eminente jurista e professor da UNB Daniel Christianini Nery em seu meritório artigo Quando o Direito encontra a economia. O texto – como próprio ressalta o autor – não pretende esgotar os infindáveis casos em que as duas ciências se consubstanciam, embora ele assevere a credibilidade que esse nível de análise tem tido, hodiernamente, no âmbito jurídico, ressaltando que alguns dispositivos do código civil salvaguardam as relações de contratos, bem como algumas legislações especiais, como – por exemplo - a Lei de defesa da concorrência (Lei nº 8.884/94). No entanto, percebe-se o tom cáustico – beirando o irônico – do autor; o que deixa bem claro que dará ênfase aos aspectos negativos que permeiam a relação entre os dois saberes, afirmando que “esta história não pode ser contada apenas pelos bons encontros entre as duas ciências! Talvez mais importante seja observar os desencontros, as incompatibilidades entre Direito e economia”. Com efeito, o que será feito daí para frente constitui-se como um arsenal de críticas, que só não descambam para um caráter panfletário, pois a linguagem solene e técnica inviabilizam essa classificação, bem como a presença notória de conceitos do positivismo jurídico de Hans Kelsen, quando ele diz que “É justamente este embate entre “o dever ser” do mundo jurídico e o “ser” do mundo econômico que muitas vezes permeia nosso dia-a-dia”. No tocante às críticas específicas, o autor as inicia discorrendo sobre um fato tétrico que permeia os litígios entre reclamantes e empresários, qual seja, a falta de celeridade do aparelho judiciário, ao agir discricionariamente sobre os processos. Ademais, ressalta o professor que a morosidade impede o desenvolvimento tecnológico e – até mesmo – a cobrança de impostos. Entretanto, não será ainda nesse aspecto que se perceberá o caráter filosófico da análise do autor, bem como a influência tácita de teóricos que fazem parte da história do pensamento econômico. De fato, nota-se que há uma análise mais acurada – sem dúvida - sobre o “aumento abusivo de preços”, iniciando-a com uma visão do pensamento clássico, sob a égide do liberalismo de Adam Smith: “(...) partimos de um pressuposto, assegurado tanto pelo Direito quanto pela economia, de que o produtor/ empresário possui o direito de aumentar ou diminuir seus preços, bem como o direito de perseguir o lucro”. Ora, percebe-se a preponderância pela ideologia burguesa - o que ainda não vigorava nos argumentos anteriores do autor - uma vez que, à luz de uma retórica argumentativa pautada nos dispositivos jurídicos dos códigos civis português e brasileiro, bem como na legislação especial que protege a livre concorrência - Daniel tentará convencer o leitor de que o aumento dos preços pode ser explicado pela “conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores”. Assim sendo, doravante, será aferida a análise do caso pela ótica jurídica e econômica concomitantemente. O exemplo dado é: “Se uma empresa aumenta seus preços e os mantém por certo tempo, independentemente de motivos externos, significa que encontrou consumidores dispostos a pagar”; o autor finaliza a exemplificação, ao justificar que não haveria o aumento abusivo, pois estaria entendida aí a lei da oferta e procura, assim como a mera vontade do mercado em adquirir o produto. Ora, o raciocínio neste caso é meramente hedonista e de ordem psicológica, demonstrando marcas evidentes da escola neoclássica - cujos representantes principais foram Alfred Marshall, Pigou e Hawtrey -, visto que os argumentos pressupõem as reações comportamentais do consumidor frente aos aumentos de preços da empresa. Destarte, até mesmo o comportamento dos empresários é vaticinado, quando diz que os altos lucros da suposta clientela “poderiam fazer com que os outros empresários se interessassem por aquele mercado, estabelecendo concorrência e, rapidamente, diminuindo o preço”. A discussão chega ao final, afirmando que a análise do caso possui proporções infindáveis, bem como pontos de vista idiossincráticos. Com efeito, não poderia ser diferente o resultado, partindo-se do diálogo de duas ciências de caráter especulativo, como o são a Economia e o Direito. Por conseguinte, afirma Reale que (2009, p.21): “Há, em suma, uma interação dialética entre o econômico e o jurídico, não sendo possível reduzir essa relação a nexos causais, nem tampouco a uma relação entre forma e conteúdo”. Como se viu, a apreciação crítica das idéias do artigo só corroborou as palavras do grande jurista.

Texto do Blog.

Referências:

NERY, Daniel Christianini. Quando o Direito encontra a Economia. Revista do Autor, 1- jun – 2008.



REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. Editora Saraiva, 2009.

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