quarta-feira, 11 de maio de 2011

A consciência democrática do ensino em "Pedagogia da Autonomia", de Paulo Freire

Desde o final da década de 80, as discussões acerca da formação de professores que estão em atividade - ou de alunos universitários que almejam a uma vaga como docentes – têm sido constantes. Pedagogos, filósofos e uma seleta plêiade de intelectuais reúnem-se em congressos, fóruns, palestras e Tutti quanti no intuito de aferir a postura do educador em sala de aula, na tentativa de otimizar o processo ensino-aprendizagem.Acredita-se que a ineficiência dos resultados não esteja no uso do vasto arsenal teórico utilizado nas contendas, pois como se sabe os problemas educacionais envolvem não só o ambiente escolar, mas também toda a sociedade. Logo, pode-se notar a complexidade do assunto, que é ratificada pela vasta herança epistemológica deixada por pensadores desde a época de Sócrates. A improficuidade reside no fato de privilegiar sobremaneira as questões gnosiológicas, protelando os dois principais agentes de mudança social: o sonho e a esperança.Tratando o assunto de maneira científica - com uma linguagem filosófica, acessível, beirando a poética-, Paulo Freire elabora uma espécie de arquétipo de conduta democrática, em “Pedagogia da Autonomia”.Em todo o compêndio, nota-se a veia progressista de um educador que tencionou não apenas ensinar a ensinar, mas asseverar o amor pela profissão; prova cabal disso é o modo como a maioria dos capítulos e subcapítulos está iniciado com o próprio verbo “ensinar” no infinitivo, dando a idéia de um legado ou “mandamentos” deixados pelo autor.No tocante à temática, é toda ela perpassada por um sentimento democrático da prática educativa. Freire alerta para o fato de que a formação do discípulo se dá de forma concomitante com a do mestre, ou seja, trata-se da conscientização do caráter interacional da relação professor-aluno, desmitificando inexoravelmente a visão segundo a qual apenas o educando aprende em sala.No entanto, logo se abre uma lacuna: como conceber uma aprendizagem libertária - à luz de uma relação dialógica com o educando - se o próprio educador, mostrando-se prepotente e autoritário, não assumir também o seu papel de aprendiz? Ora, o próprio Paulo afirma que o aluno é capaz de resistir ao ensino bancário, desde que este desperte seu senso crítico ou sua “Curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1996, p. 25).É igualmente capital o tom de exortação do autor ao cotejar a metodologia, o senso crítico e a aceitação de riscos por parte do docente em sua atividade. O que se nota nos raciocínios de Freire, além de ensinamentos, é uma crítica corrosiva (e às vezes tácita) à hipocrisia intelectual, à falta de pesquisa e de humildade. Ademais, nota-se que a maioria dos capítulos cinge em torno da discussão da eticidade.A ética freiriana está sob a égide da “consciência do inacabamento”(FREIRE, 1996, P. 50). Conceitos técnicos como “Suporte e “Mundo” são pontos-chave para que o grande filósofo estabeleça o caráter inteligível e consciente que diferencia a atuação no mundo de homens e animais, afirmando que não é possível transgredir a ética sem ter a noção de que ela existe.No que tange à arte de ensinar, Freire também discorre a respeito do saber ouvir. E é nesse argumento que se vê, claramente, a índole libertária do grande pensador. Ele ressalta que escutar o outro é a melhor maneira de aprender suas diferenças. Sendo assim, entende-se que a idéia principal é chamar a atenção para o modo como o professor admoesta o educando; em outras palavras, quer-se dizer o seguinte: aprende-se com o outro escutando-o, e - ao escutá-lo – deve-se criticar seu erro humildemente.O marxismo impera em muitas outras partes. A crítica ao determinismo histórico, bem como a resignação frente às mazelas humanas é delineada com um teor de revolta, causando no leitor um choque com a utilização de relatos tétricos, como por exemplo o de uma família pobre que recolhia pedaços de lixo hospitalar para servir como comida em casa.Obviamente, a intenção também é conscientizar o docente de que a sua profissão jamais pode ser desvinculada da militância e do engajamento, pois “‘Lavar as mãos’ em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele” (FREIRE, 1996, p.112).Censuras relevantes ao neo-liberalismo, aos aparelhos ideológicos, assim como a própria ideologia em si, estão presentes no final deste livro, o que reitera ainda mais a postura engajada de um homem que não apenas lutou pela melhoria da educação,mas por um mundo melhor, menos fatalista e livre.






Texto do Blog.

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36ª ed. São Paulo: Paz e terra, 1996.(Coleção Leitura).

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