quarta-feira, 11 de maio de 2011

Aparelho judiciário e economia no mundo globalizado: embates indeléveis

Não se sabe de outra época na história em que as fronteiras entre os países encontram-se tão tênues. Com efeito, tal fenômeno social – a que os sociólogos têm chamado de globalização – teve seu advento com a ascensão da burguesia durante a Revolução Industrial no século XVIII, e – cada vez mais – vem se cristalizando nos liames da vida social, mormente no que diz respeito àqueles que envolvem as relações econômicas, as quais – como se sabe – estão intrinsecamente vinculadas à área jurídica.
Assim sendo, a análise econômica do Direito, cuja proposta está pautada igualmente nas mudanças geradas pelo fenômeno da globalização, propõe-se não apenas vislumbrar o mero diálogo entre o Direito e a Economia, mas também aferir o modo como judiciário tem se comportado frente ao cumprimento dos contratos. Pelo menos foi o que tencionou ousadamente o professor Armando Castelar Pinheiro, em seu meritório artigo Direito e Economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto?
Valendo-se notoriamente de argumentos que cingem em torno de uma abordagem macroeconômica, o economista discorre à exaustão acerca da competência do aparelho judicante, ressaltando – em alguns momentos do texto – que se fosse possível o seu bom funcionamento, isto influenciaria sobremaneira no desenvolvimento econômico, principalmente nas relações exteriores de mercado. Além disso, percebe-se, com efeito, que o autor preocupa-se, sobretudo com os efeitos do mau funcionamento dos tribunais, valendo-se de análises de caráter empírico para corroborar seus argumentos.
Note-se também que o matemático põe em risco a sua análise logo na introdução, ao parecer tendencioso, ou seja, protelando a sua imparcialidade frente ao estudo, quando suscita – através da citação de um teórico norte-americano (Stigler) - que o grande problema dos operadores do Direito é que eles se preocupam mais com a justiça, ao passo que os economistas primam pela eficiência. Ora, nessa linha de raciocínio, e por corolário, poder-se-ia depreender que o autor está sugerindo uma proposta maquiavélica, ou seja, qualquer meio é justificável para que se cumpra o prazo dos contratos, evitando assim o problema mais evidente do judiciário - embora não sendo o mais importante -, qual seja, a morosidade na resolução de processos. No entanto, tal ponto é retomado nas “Observações finais” do artigo, onde o economista discute várias relações, sopesando hipóteses em que se percebem problemas tanto do ponto de vista dos economistas quanto dos operadores do Direito, dirimindo assim alguma possibilidade tendenciosa.
Ademais, o autor expõe claramente os indicadores com os quais vai analisar os tribunais, asseverando que “Definições genéricas, como a que estabelece ‘que um bom judiciário é aquele que assegura que a justiça social seja acessível e aplicada a todos, (...),’ embora capturem a essência do problema, são de difícil utilização (PINHEIRO, 2003, p.4)”. Assim sendo, vale dizer que se o ponto principal da instituição judiciária é o processo decisório, logo é esse fator que deve ser colocado como preocupação preponderante, visando – destarte – à qualidade e não a quantidade do sistema, ainda que as duas esferas estejam imbricadas. E o que mais torna patente a natureza qualitativa do judiciário é a credibilidade dada pela população, ao procurá-lo.
Ora, vê-se claramente que essa dicotomia (quantidade x qualidade) norteará – daqui para frente – toda a apreciação do economista, o que pode suscitar ao leitor mais inexperiente a idéia de raciocínio tautológico. Pelo contrário, note-se que as exemplificações utilizadas para corroborar, ora a morosidade do judiciário, ora a sua imparcialidade são utilizadas num crescendo constante, inviabilizando não só a possível monotonia da leitura, mas tentando abarcar o máximo possível de hipóteses pelas quais o objeto pode ser explicado.
Para tanto, chega a propor o método probabilístico de Pinheiro (2000), a fim de tentar prever o bom ou mau resultado dos litígios, explicando peremptoriamente que “A utilidade esperada de recorrer à justiça depende, positivamente, do valor líquido que se espera receber e, negativamente, da variância desse ganho, que reflete a incerteza quanto a ganhar ou perder a disputa e ao tempo até que uma decisão seja tomada (2003, p.6)”. Desta forma, até o próprio conceito de justiça, o qual possui um caráter idiossincrático, é quantificado pelo pensamento teoremático do professor, ao asseverar que “Um sistema de resolução de conflitos caracteriza-se como justo quando a probabilidade de vitória é próxima a 1 para o lado certo e a 0 para o lado errado (2003, p. 7)”.
Ora, o grande problema do autor é que ele não consegue se desprender de sua formação positivista, o que o leva a analisar a noção de eqüidade, sem se valer de aspectos filosóficos. Embora reconheça nas últimas páginas do artigo que os juízes se defrontam diariamente com casos que exigem um alto grau de sensibilidade, ele ressalta que a parcialidade do magistrado, bem como a sua não-neutralidade política (esse sim o grande problema do aparelho judiciário) é causada pela intensa proteção que a justiça oferece à classe inadimplente (inquilinos, devedores), ratificando que os bancos adotarão medidas paralelas como forma de se protegerem do mau funcionamento do judiciário, como – por exemplo – a maximização do spread. Entende-se, contudo, que o magistrado tenta estabelecer – na verdade - a chamada justiça distributiva, cuja visão é a de que se devem tratar os desiguais de forma desigual, como falava Aristóteles.
No tocante aos dados empíricos trazidos pelo autor, vê-se um alto grau de cientificismo com valores extremamente criteriosos, cujas perguntas possuem um alto grau de provocação, mormente aquelas que são direcionadas aos magistrados, como – por exemplo – uma que aquilata a freqüência de politização nas decisões dos juízes, e em que ramos do Direito essa prática é recorrente. Assim, o resultado da pesquisa não foge ao esperado, pois a sinceridade dos juízes é evidente. As causas em que predominam a “politização” são justamente aquelas que estão vinculadas ao ramo do Direito público, quais sejam, Regulação de Serviços Públicos (32.5%), Previdência Social (31,3%) e Meio Ambiente (28,2%), o que comprova que a situação não é catastrófica como parece.
Alusões ao fornecimento de mais recursos ao judiciário, bem como à chamada súmula vinculante são feitas no final do artigo, como forma de combater a falta de celeridade do judiciário, tendo em vista que muitos agentes econômicos utilizam de má fé o sistema judicial e seu moroso processo de decisão, o que caracteriza não só a relação dúbia entre os tribunais e estes agentes, mas também a complexidade do diálogo entre a Economia e a seara jurídica.






Texto do Blog.

Referências:




PINHEIRO, Castelar Armando. Direito e Economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Rio de Janeiro, julho de 2003.

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